No Brasil, crianças que mais precisam de creche ainda têm pouco acesso ao serviço. É o que mostra estudo divulgado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV). Entre as famílias mais pobres, por exemplo, apenas 24,4% das crianças de até 3 anos de idade frequentam creches no país, ou seja, uma a cada quatro.
O estudo tem como base o chamado Índice de Necessidade de Creche (INC), desenvolvido com o objetivo de melhor orientar as políticas públicas e mapear as necessidades de atendimento das crianças em creches no país. Segundo o indicador, a porcentagem de crianças que precisam ser atendidas cresce ano a ano. Em 2018, 40,6% das crianças de até 3 anos estavam em grupos vulneráveis que mais precisavam das vagas. Em 2019, a porcentagem passou para 42,4%. Para 2020, a projeção é que o índice chegue a 42,6%.
Isso significa que, das 11,8 milhões de crianças brasileiras com até 3 anos de idade, quase 5 milhões precisam de atendimento em creche. Fazem parte do grupo as crianças em situação de pobreza, que, até 2019, representavam 17,3% do total de crianças no Brasil; as de famílias monoparentais, criadas apenas pela mãe, pelo pai ou outro responsável (3,5%); e as crianças cujos cuidadores principais precisam contar com as creches para poder trabalhar (21,7%).
Mesmo estando entre as que mais precisam de atendimento, 75,6% das crianças mais pobres estão fora das creches. Entre aqueles de famílias monoparentais, 55% não estão matriculadas e, no grupo de mães ou cuidadores economicamente ativos, 18,3% estão fora da escola.
Índice de Necessidade de Creche
As informações fazem parte do estudo Índice de Necessidade de Creche 2018-2020 e Estimativas de Frequência: Insumos para a Focalização de Políticas Públicas, realizado pela fundação. Os cálculos são baseados nos dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2019. O índice de cada um dos municípios brasileiros está disponível para consulta na Plataforma Primeira Infância Primeiro.
“A gente acredita que, ao trazer luz para os dados, conseguimos trazer caminhos mais eficientes para o enfrentamento da desigualdade e a quebra do ciclo da pobreza”, diz a CEO da FMCSV, Mariana Luz. Ela ressalta que a primeira infância, que vai até os 6 anos de idade, é uma etapa de muita potência e de desenvolvimento, que pode impactar em toda a vida do ser humano.
Por isso, segundo Mariana, é fundamental que sobretudo as crianças em situação de vulnerabilidade tenham acesso a creches de qualidade. “Ter um ambiente formal da educação básica de estímulos, de interações, de aprendizagem, de leitura, ter um currículo preparado para que tenha brincadeiras ancoradas com a intencionalidade pedagógica que fomenta todo o processo de aprendizagem, é falar, de fato, de dar oportunidade a essa criança de sair do ciclo de pobreza”, diz.
Mercado de trabalho
As creches significam também ter um local seguro onde deixar as crianças, o que possibilita que mães, pais e responsáveis possam trabalhar. “O trabalho da creche é atuar como parceira para que a gente possa ter autonomia para trabalhar, para conseguir fazer as nossas atividades”, diz a diretora do Centro de Educação da Primeira Infância (Cepi) Rosa do Cerrado, em Taguatinga, no Distrito Federal, Kedma Silva Nunes. Ela é mãe solo da Rebeca, 15 anos, da Raquel, 14 anos, da Ruth, 9 anos e da Rafaela, 2 anos. Todas passaram pela creche e Rafaela ainda está matriculada.
A diretora faz parte do grupo de famílias que precisa da creche para poder trabalhar. “Eu não tinha como custear a rotina da minha filha fora do trabalho, teria que parar de trabalhar ou ficar em casa com minha filha”, conta.
Na escola onde trabalha, Kedma vê outras mães que estão na mesma situação. “A creche tem esse papel de fortalecimento de vínculo para famílias em vulnerabilidade, porque a creche vem com esse papel de empoderamento da mulher. Se eu tenho onde deixar meu filho, eu consigo sair para trabalhar, para prover o lar e não depender [de outras pessoas]. Às vezes, atuava com famílias em que só o homem trabalhava. Com a mulher tendo onde deixar a criança, ela consegue sair e ter um emprego”.
Impacto da pandemia
A pandemia teve impacto na educação, sobretudo no ensino infantil, etapa em que a educação remota muitas vezes não é possível. Muitas famílias acabaram cancelando as matrículas das crianças nas creches particulares.
O Censo Escolar 2021, divulgado neste ano, mostrou que mais de 650 mil crianças saíram da escola entre 2019 e 2021. Neste período, o número de crianças matriculadas em creches passou de 3,7 milhões em 2019 para 3,4 milhões em 2021.
As creches públicas no Brasil são geridas principalmente pelos municípios. Segundo o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Garcia, os gestores terão que lidar com uma demanda reprimida na pandemia.
“Temos um aumento da demanda muito forte. São as crianças que estavam em casa com as famílias durante a pandemia e estão voltando, tem o público oriundo da rede privada, alunos que estavam na rede privada e que, em função de toda a crise econômica, estão sendo obrigados a retornar à rede pública. Isso está gerando um aumento bastante grande. E existem aqueles que acabaram ficando fora e que precisam ser objeto de busca ativa, sobretudo aquele de famílias muito vulneráveis”, diz.
Faltam vagas
No Brasil, a creche não é uma etapa obrigatória. A educação é obrigatória apenas a partir dos 4 anos de idade. Antes disso, cabe às famílias decidir pela matrícula. O estado deve, no entanto, garantir que haja vagas para todos aqueles que desejarem. O que acontece, na prática, é a falta de vagas e longas filas para garantir um lugar nas creches públicas.
O Brasil deve, por lei, atender a pelo menos 50% das crianças de até 3 anos de idade em creches até 2024. A meta está prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13.005/2014. Segundo os últimos dados disponíveis, de 2019, 37% das crianças nesta faixa etária estavam matriculadas.
De acordo com Garcia, para que a meta do PNE seja cumprida, será necessário um engajamento nacional, que seja retomada “a política de construção de unidades escolares e que haja incentivo para que estados e municípios possam, em parceria, organizar e gerar essas novas vagas”.
Para que a população mais vulnerável seja incluída, segundo Garcia, é fundamental garantir que a creche esteja localizada próxima à residência da família. “Isso só é possível se garantirmos a instalação de unidades de educação infantil em diversos pontos das cidades, atendendo à demanda e evitando o deslocamento ou a privação do direito da criança à creche. Uma questão importante é reativar com mais intensidade programa de construção de unidades escolares abarcando as regiões de forma prioritária”.
O último relatório de monitoramento do PNE, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostra que, para cumprir a meta, ainda é preciso incluir cerca de 1,5 milhão de crianças em creches e que grande parte delas é oriunda “de famílias de baixa renda, onde se concentra o maior contingente de crianças não atendidas”.
No Brasil, crianças que mais precisam de creche ainda têm pouco acesso ao serviço. É o que mostra estudo divulgado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV). Entre as famílias mais pobres, por exemplo, apenas 24,4% das crianças de até 3 anos de idade frequentam creches no país, ou seja, uma a cada quatro.
O estudo tem como base o chamado Índice de Necessidade de Creche (INC), desenvolvido com o objetivo de melhor orientar as políticas públicas e mapear as necessidades de atendimento das crianças em creches no país. Segundo o indicador, a porcentagem de crianças que precisam ser atendidas cresce ano a ano. Em 2018, 40,6% das crianças de até 3 anos estavam em grupos vulneráveis que mais precisavam das vagas. Em 2019, a porcentagem passou para 42,4%. Para 2020, a projeção é que o índice chegue a 42,6%.
Isso significa que, das 11,8 milhões de crianças brasileiras com até 3 anos de idade, quase 5 milhões precisam de atendimento em creche. Fazem parte do grupo as crianças em situação de pobreza, que, até 2019, representavam 17,3% do total de crianças no Brasil; as de famílias monoparentais, criadas apenas pela mãe, pelo pai ou outro responsável (3,5%); e as crianças cujos cuidadores principais precisam contar com as creches para poder trabalhar (21,7%).
Mesmo estando entre as que mais precisam de atendimento, 75,6% das crianças mais pobres estão fora das creches. Entre aqueles de famílias monoparentais, 55% não estão matriculadas e, no grupo de mães ou cuidadores economicamente ativos, 18,3% estão fora da escola.
Índice de Necessidade de Creche
As informações fazem parte do estudo Índice de Necessidade de Creche 2018-2020 e Estimativas de Frequência: Insumos para a Focalização de Políticas Públicas, realizado pela fundação. Os cálculos são baseados nos dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2019. O índice de cada um dos municípios brasileiros está disponível para consulta na Plataforma Primeira Infância Primeiro.
“A gente acredita que, ao trazer luz para os dados, conseguimos trazer caminhos mais eficientes para o enfrentamento da desigualdade e a quebra do ciclo da pobreza”, diz a CEO da FMCSV, Mariana Luz. Ela ressalta que a primeira infância, que vai até os 6 anos de idade, é uma etapa de muita potência e de desenvolvimento, que pode impactar em toda a vida do ser humano.
Por isso, segundo Mariana, é fundamental que sobretudo as crianças em situação de vulnerabilidade tenham acesso a creches de qualidade. “Ter um ambiente formal da educação básica de estímulos, de interações, de aprendizagem, de leitura, ter um currículo preparado para que tenha brincadeiras ancoradas com a intencionalidade pedagógica que fomenta todo o processo de aprendizagem, é falar, de fato, de dar oportunidade a essa criança de sair do ciclo de pobreza”, diz.
Mercado de trabalho
As creches significam também ter um local seguro onde deixar as crianças, o que possibilita que mães, pais e responsáveis possam trabalhar. “O trabalho da creche é atuar como parceira para que a gente possa ter autonomia para trabalhar, para conseguir fazer as nossas atividades”, diz a diretora do Centro de Educação da Primeira Infância (Cepi) Rosa do Cerrado, em Taguatinga, no Distrito Federal, Kedma Silva Nunes. Ela é mãe solo da Rebeca, 15 anos, da Raquel, 14 anos, da Ruth, 9 anos e da Rafaela, 2 anos. Todas passaram pela creche e Rafaela ainda está matriculada.
A diretora faz parte do grupo de famílias que precisa da creche para poder trabalhar. “Eu não tinha como custear a rotina da minha filha fora do trabalho, teria que parar de trabalhar ou ficar em casa com minha filha”, conta.
Na escola onde trabalha, Kedma vê outras mães que estão na mesma situação. “A creche tem esse papel de fortalecimento de vínculo para famílias em vulnerabilidade, porque a creche vem com esse papel de empoderamento da mulher. Se eu tenho onde deixar meu filho, eu consigo sair para trabalhar, para prover o lar e não depender [de outras pessoas]. Às vezes, atuava com famílias em que só o homem trabalhava. Com a mulher tendo onde deixar a criança, ela consegue sair e ter um emprego”.
Impacto da pandemia
A pandemia teve impacto na educação, sobretudo no ensino infantil, etapa em que a educação remota muitas vezes não é possível. Muitas famílias acabaram cancelando as matrículas das crianças nas creches particulares.
O Censo Escolar 2021, divulgado neste ano, mostrou que mais de 650 mil crianças saíram da escola entre 2019 e 2021. Neste período, o número de crianças matriculadas em creches passou de 3,7 milhões em 2019 para 3,4 milhões em 2021.
As creches públicas no Brasil são geridas principalmente pelos municípios. Segundo o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Garcia, os gestores terão que lidar com uma demanda reprimida na pandemia.
“Temos um aumento da demanda muito forte. São as crianças que estavam em casa com as famílias durante a pandemia e estão voltando, tem o público oriundo da rede privada, alunos que estavam na rede privada e que, em função de toda a crise econômica, estão sendo obrigados a retornar à rede pública. Isso está gerando um aumento bastante grande. E existem aqueles que acabaram ficando fora e que precisam ser objeto de busca ativa, sobretudo aquele de famílias muito vulneráveis”, diz.
Faltam vagas
No Brasil, a creche não é uma etapa obrigatória. A educação é obrigatória apenas a partir dos 4 anos de idade. Antes disso, cabe às famílias decidir pela matrícula. O estado deve, no entanto, garantir que haja vagas para todos aqueles que desejarem. O que acontece, na prática, é a falta de vagas e longas filas para garantir um lugar nas creches públicas.
O Brasil deve, por lei, atender a pelo menos 50% das crianças de até 3 anos de idade em creches até 2024. A meta está prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13.005/2014. Segundo os últimos dados disponíveis, de 2019, 37% das crianças nesta faixa etária estavam matriculadas.
De acordo com Garcia, para que a meta do PNE seja cumprida, será necessário um engajamento nacional, que seja retomada “a política de construção de unidades escolares e que haja incentivo para que estados e municípios possam, em parceria, organizar e gerar essas novas vagas”.
Para que a população mais vulnerável seja incluída, segundo Garcia, é fundamental garantir que a creche esteja localizada próxima à residência da família. “Isso só é possível se garantirmos a instalação de unidades de educação infantil em diversos pontos das cidades, atendendo à demanda e evitando o deslocamento ou a privação do direito da criança à creche. Uma questão importante é reativar com mais intensidade programa de construção de unidades escolares abarcando as regiões de forma prioritária”.
O último relatório de monitoramento do PNE, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostra que, para cumprir a meta, ainda é preciso incluir cerca de 1,5 milhão de crianças em creches e que grande parte delas é oriunda “de famílias de baixa renda, onde se concentra o maior contingente de crianças não atendidas”.