O prefeito redondo gastava as solas de seus sapatos andando de um lado pro outro.
O carpete marcado indicava a trajetória de seu caminhar.
Coçando a cabeça, seus poucos fios emaranhavam por entre seus dedos.
Escutou batidas na porta e logo gritou:
— Entre!
A porta abriu-se, mais do que rápido passava para o interior da sala um sujeito de falas rápidas:
— Encontrei, senhor… eu encontrei a solução!
— Vamos diga, antes que o sindicato venha fazer barulho na porta da prefeitura — disse o alcaide.
— Bom, vai ser dois coelhos com uma cajadada, vamos movimentar a economia e ainda por cima ajudar esses pobres artistas (coitados) paralisados.
Após um certo tempo de conversa, o burgomestre sorria.
Ajeitou sua gravata, passou um lenço pela larga testa que encontrava com sua careca lisa na parte de cima e seus cabelos falhos do lado, então ele disse:
— Lembre-me de quando tudo isso passar, de lhe dar um aumento!
Era fevereiro, mês carnavalesco, com as apresentações artísticas paralisadas, a pressão da categoria caía matando de cobrança para o gestor municipal.
Após a saída do funcionário de falas rápidas, pegou o telefone e se pôs a fazer ligações.
No fim da tarde já recostava sossegado em sua cadeira, já sem nenhuma preocupação ou pingo de suor na testa.
Cartazes eram colados pela cidade, anunciando um grande festival carnavalesco com apresentações musicais, exposições de telas, balé e a finalização com a peça teatral mais aclamada da cidade.
Um grande aviso em letras garrafais se destacava ao fim do cartaz: “LEVE SUA MÁSCARA”.
O teatro municipal recebeu uma nova pintura, os acentos receberam um novo estofado, o palco com seu piso de sucupira recebeu também reparos, já que começava a ser afetado pelo mal feito de cupins.
Cortinas novas, grandes e vermelhas, começavam a serem instaladas, assim como a iluminação e todos os cabos eram analisados minunciosamente para não ter nenhum problema com o espetáculo.
A passagem de som seguia durante todo o dia, dentro de três dias o ok dos técnicos fora liberado, ficando o restante da responsabilidade para os bombeiros liberarem o aval para o teatro e, assim, fazer seguir o itinerário das datas para as apresentações.
Veio o ok da vistoria feita no local, sendo assim só faltava a confecção dos ingressos.
A gráfica recebeu o contato dando ordem para a confecção e, assim, foi passado a ordem ao funcionário, o qual conseguiu se confundir com a ordem de serviço.
Assim estava a diretriz dos ingressos, 1…3…5…7…
Até o número 150.
Pensando ter havido certo erro no pedido, fez sua própria ordem, assim como a sua correção.
Então seguiu, 1…2…3…4…150.
Embalou os ingressos ao final da impressão e fez a entrega do pedido.
Os bilhetes foram entregues nos postos de vendas, e feito um piscar de olhos já estavam esgotados.
A movimentação a noite à frente do teatro municipal começava, pessoas carregando suas máscaras penduradas no queixo, outras penduradas em uma só orelha, algumas nas mãos e outras nos bolsos, porém, nenhuma máscara sequer cumpria seu papel.
Iam adentrando ao recinto e tomando lugar.
Alguns observavam que os acentos de números pares estavam marcados com um enorme X vermelho, indicando um certo distanciamento, porém, sequer fizeram questão, iam sentando folgados e conversando com seus pares ao lado sobre o espetáculo que iria ser iniciado logo após a fala do excelentíssimo senhor prefeito.
As cortinas se abriram, o pomposo gestor gordinho calvo, que pegava o microfone para dar as primeiras palavras de abertura do evento.
Observou o equívoco dos lugares, mas não se manifestou, via ali seu eleitorado, ou até mesmo simpatizantes de seu atual mandato e dando pão e circo poderia, enfim, sonhar com a reeleição.
Sendo assim, nem fez nenhuma exclamação sobre os acentos ocupados.
As luzes miraram o gestor que logo começou a proferir seu discurso:
— Boa noite, nobres amigos, digo amigos, pois estou aqui como o grande amigo do povo. Venho trazendo para a população que clama pela arte para ajudar na superação e enfrentamento dessa fase horrível que estamos passando.
A oposição não queria permitir que o evento viesse a ocorrer, querem ver o povo triste, a classe artística sem vintém, mas, eu não! Estou aqui com vocês e por vocês!
A plateia ovacionava o nobre gordinho que proferia tais palavras.
Ao fim do discurso, começava as apresentações.
O balé arrancava suspiros e aplausos, um belo sarau fora feito para apresentação das obras de vários artistas plásticos da cidade.
As apresentações musicais arrancavam um certo “ou ou ou e iê iê iê” da plateia.
Um certo magricelo de olhos fundos chegava atrasado para as apresentações, porém possuía ingresso e queria assistir ao menos a tal aclamada apresentação do melhor grupo de teatro do centro da charmosa cidade.
Pedia passagem para chegar ao seu acento, dizendo:
— Com licença, obrigado!
— Com licença, obrigado!
— Com licença, obrigado!
Chegou, sentou-se e se pôs quieto, já que o primeiro ato iria começar.
No último ato quando os atores Lord Merlon e o Frei Irineu iriam começar seus diálogos, após uma belíssima cena de traição e perdão do ato anterior, um certo magricelo de olhos fundos chamou a atenção tanto dos atores quanto dos espectadores.
Foi tão súbito o acontecimento quanto um piscar de olhos, ele do nada fez um: A… A… Atchimmm!
Todos os olhares se voltaram para ele no mesmo momento.
Alguém raivoso com a cena gritou vorazmente:
— É Covid!
Pronto, a confusão estava armada.
Eram socos no coitado, chutes, palavrões e até mesmo um salto alto raivoso acertou a face do rapaz.
Lord Merlon e Frei Irineu a tudo observavam.
Estavam espantados, ninguém socorria o rapaz, a fúria era incontrolável.
Merlon e Irineu se sentaram no piso de sucupira e então viram-se espectadores.
O Lord apenas Falou:
— Esse é o verdadeiro espetáculo da raça humana!…
Irineu retirou sua máscara, deu de ombros e sinalizou positivamente com a cabeça.
E assim as cortinas se fecharam.