Para muitas pessoas que sofrem filofobia (medo de se relacionar com outras pessoas), a ameaça é semelhante aqueles casos em que a integridade física está em risco. Porém, o que está em jogo mesmo é a integridade psicológica da pessoa.
“A pessoa vive com medo de que a ameaça possa acontecer ou vive como se já estivesse sofrendo essa ameaça. É um transtorno de ansiedade, mais especificamente nas situações que envolvem relacionamento amoroso”, explica a psicóloga especialista em relacionamentos Camila D´Ávila Moura, consultora do site de relacionamento Amor&Classe (www.amoreclasse.com.br), dedicado a aproximar pessoas que se intitulam românticas assumidas.
Os casos de filofobia estão relacionados às experiências e frustrações acumuladas pelas pessoas, como o fim de um relacionamento, uma traição ou a perda de alguém muito próximo. A experiência negativa leva a uma frustração, porque havia uma expectativa em torno de uma situação que não se concretizou.
“A frustração é comum, mas a forma como as pessoas lidam com ela é que vai dizer o quanto a experiência ruim vai influenciar nas próximas relações ou não”, afirma a psicóloga. Segundo a especialista, certas pessoas lidam com a frustração de forma tranquila. Se frustram, mas depois de um certo momento a frustração já foi assimilada. Essas pessoas entendem o que aconteceu naquela situação e pensam nos pontos positivos e no aprendizado que tiveram. “Outras não. Para essas, aquela frustração é dolorida, é muito penosa e até traumática”, salienta Camila Moura.
A explicação está no fato de que nossa memória volta o tempo inteiro para trazer não só a imagem, mas também os sintomas físicos como taquicardia, palpitação e formigamento nas mãos, nos pés. “Isso tudo porque aquela frustração volta e continua voltando”, destaca a psicóloga do Amor&Classe. O resultado desse quadro normalmente é o isolamento social, no medo de se apaixonar, de aproximar ou se permitir gostar de outra pessoa, porque entende que é uma ameaça e um perigo latente de frustração. Em razão disso, a filofobia pode ser prejudicial para a vida pessoal em vários aspectos seja no profissional ou social.
Como identificar se tem medo de amar
É muito importante que a pessoa esteja conectada a história de vida dela. Primeiro deve observar as relações pessoais e perceber em que momento da vida foi tirada uma expectativa. Identificar se essa quebra impediu – naquele momento – de realizar atividades, de desenvolver seu papel social por muito tempo, meses ou anos, a ponto de não conseguir trabalhar, não se concentrar nos estudos ou não conseguir fazer amigos. Saber se atingiu também os outros papéis, como o amoroso, e se essa frustração causou um dano na vida da pessoa. “Esses são sinais de alerta”, aponta Camila. Um outro sinal de alerta, segundo a psicóloga, é quando está conhecendo e quer se envolver a alguém, mas isso gera medo. Ou seja, a própria pessoa faz sabotagem consigo mesma e impede a relação.
Quando as relações pessoais ou amorosas são curtas, rápidas e, geralmente, a ruptura é ocasionada por um comportamento que a pessoa tem, ou por iniciativa própria como interromper a relação diretamente, são outros sinais de comprometimento da saúde. Na maioria das vezes, segundo Camila, o alerta pode ser percebido quando as memórias da frustração anterior, do relacionamento amoroso (que não deu certo) começam a ficar mais vivas. “Quando interessado em alguém o pensamento da relação passada fica intenso e causa alterações físicas, como dores no corpo, sudorese ou ansiedade, por exemplo, são sintomas de alerta”, avisa a psicóloga do Amor&Classe.
O amor causa sintomas físicos. Para quem é normal são coisas gostosas, mas para o filofóbico são taquicardia, dores no estomago, que ele interpreta como sinais de coisas ruins, porque lembra a experiência de frustração passada. Associar o amor e o relacionamento afetivo à frustração é o que explica essas reações. Em situações mais críticas, o paciente olha para a pessoa que está na frente dela e já tem os sintomas. “Ou seja, a pessoa sente amor, mas associa aquele sintoma de taquicardia, aquela dorzinha no estômago, aquela borboleta no estômago, necessariamente a uma experiência de frustração”, explica a especialista em relacionamentos. Talvez a pessoa foi amada na época, porém liga essa sensação à experiência de frustração. É uma coisa gostosa, decente, boa, mas o cérebro, automaticamente, diz que é ruim, que será uma frustração. “Então, por isso, a pessoa fica com medo de amar de novo”, completa Camila Moura.
A isso se dá o nome de transtorno de ansiedade. É quando a gente associa uma coisa não ameaçadora a uma coisa ameaçadora. Quem tem medo de se apaixonar relaciona a pessoa que está gostando agora com a experiência frustrante do passado. O organismo gera esse sentimento porque a pessoa tem um transtorno de ansiedade. Ela inverte uma realidade, como colocar uma situação não ameaçadora como se fosse ameaçadora. O corpo libera substâncias, os hormônios, como se estivesse diante da situação ameaçadora. “É como se eu visse um leão na minha frente, mas a verdade estou no meu quarto assistindo TV. Meu corpo libera o cortisol, o hormônio do stress, para meu corpo reagir e correr do leão. Começo a suar frio, meu batimento cardíaco acelera e minha reação é fugir do leão. São reações funcionais, o leão não existe, mas meu corpo reage como se ele estivesse ali”, salienta a psicóloga. O resultado é mais frustração. A pessoa tem medo de viver uma relação e acaba vivendo essas frustrações do passado no presente.
Tratamento
Primeiramente é muito importante identificar a história pessoal nos diversos setores da vida, seja no aspecto amoroso, profissional e familiar daquela pessoa. Se ela lida muito mal com as frustrações, precisa fazer exercícios como, por exemplo, aceitar frustrações no ambiente de trabalho sem se deixar abater; ou aceitar as pequenas frustrações do dia a dia. “Quando faz isso em outros papéis é mais provável que ela faça também no papel amoroso”, salienta a psicóloga. Para a especialista, aceitar a frustração diretamente no papel amoroso pode ser ruim e traumático. Outro exercício é avaliar as expectativas que cria em relação as coisas. “Às vezes, a pessoa não cria expectativa em excesso, mas tem um pensamento disfuncional”, destaca. Ou seja, cria expectativa de que algo muito bom vai acontecer sem ter embasamento se vai acontecer. Isso ocorre quando a pessoa está centrada no próprio universo e não olha tanto para o universo do outro que está ali do lado. “Então a pessoa se relaciona, mas não percebe que a outra pessoa não quer um relacionamento sério”, exemplifica.
Por não enxergar isso, não percebe que a outra pessoa não responde mensagens, nunca tem tempo para sair, etc. Ao mesmo tempo, qualquer ação que ela tenha, por mínima que seja, torna-se uma coisa muito positiva. Há uma inversão de valor, só porque a pessoa deu um boa noite no aplicativo quer dizer que ela está muito afim do relacionamento quando, na verdade, o sinal é contrário. “É muito importante a pessoa perceber se a está criando expectativas para além do que ela tem de dados na realidade”, orienta.
Se a pessoa perceber que a expectativa está muito exagerada começa a criar um processo de autoconsciência, que vai ajudá-la a compreender melhor a frustração. Também é importante frisar que a pessoa precisa se perguntar por que cria tantas expetativas e por que a frustração marca tanto a ponto de pensar no ex-namorado de uma forma absurda a ponto de causar transtorno. As respostas a essas perguntas ajudarão em um processo de autoconhecimento. Enquanto isso, deve também entrar em um processo psicoterápico, para entender um pouquinho mais como a filofobia foi se desenvolvendo na vida dela.
A internet também auxilia, principalmente no processo de autoconhecimento, tendo em vista que a busca de um parceiro em site de relacionamento pode ser alternativa aliada nesse caso. Quando a pessoa conversa e troca informações virtualmente pode pedir opinião aos amigos e familiares que confia sobre a pessoa que está conhecendo, se pode ser um parceiro/a em potencial e que tipo de expectativa pode ser criada a partir da interação. “Torna-se mais fácil, porque o amigo está em contato e pode ajudar a avaliar a situação antes dela mergulhar de vez na realidade”, afirma Camila. Ao mesmo tempo, a pessoa pode trabalhar as pequenas frustrações enquanto se relaciona virtualmente. “Por exemplo, se a outra pessoa parar de responder, enfim, é normal, mas para o filofóbico será uma frustração que ele poderá aceitar”, destaca a psicóloga do Amor&Classe.
Além disso, em uma relação virtual, há a vantagem de falar mais coisas e perguntar mais coisas sobre a outra pessoa. No contato olho a olho, por estar com medo e envergonhado, terá sintomas físicos em função do transtorno de ansiedade. Por meio da internet, poderá fazer perguntas importantes, fazer colocações sobre temas importantes que o nervosismo e outros sintomas físicos, como a taquicardia, poderiam impedir de serem feitas. Sobre o processo psicoterápico, uma das vantagens é a pessoa enxergar de outra forma a história que causou esse trauma, para tirar o peso dessa frustração do passado e assim ir gradativamente deixando para trás os processos de frustração, podendo voltar a se relacionar de forma tranquila novamente.
Camila Moura,
psicóloga especialista em relacionamentos
e consultora do site Amor&Classe