Momentos difíceis costumam provocar mudanças. Solidariedade, empatia e caridade, sentimentos tão citados e pouco praticados no cotidiano, ganharam proeminência com a pandemia do novo coronavírus. É possível encontrar nas redes sociais, o ponto de encontro em tempos de isolamento, exemplos de pessoas que procuram oferecer ajuda e conforto de todo tipo, com doações físicas ou mesmo emprestando seus talentos.
Mesmo com portas fechadas, isso não significa que as pessoas deixem de trocar experiências. A pedagoga aposentada, Marlene dos Santos, 63 anos, é do tipo que resolve tudo, mora sozinha e tem vida de maratonista. E não apenas porque corre de um lado para outro o tempo inteiro. Ela pratica corrida de rua e treina todos os dias. Quer dizer, treinava. Acostumar-se ao isolamento e à falta de liberdade tem sido a parte mais difícil.
“Mas por outro lado, descobri que há mais amor no mundo do que eu imaginava. Os vizinhos se preocupam comigo, ajudam com as compras de supermercado e farmácia. Eu saí de um quadro de chikungunya e tenho muito medo de pegar a gripe”, revela Marlene.
E assim tem sido: novos grupos se formam entre velhos conhecidos e vizinhos de muitos anos que finalmente se reconhecem como pares. Nem que seja para cantar parabéns das janelas ou varandas para os aniversariantes ou aplausos coletivos para os profissionais da saúde. E em quase duas semanas de confinamento já “virou moda” deixar bilhetes em áreas comuns dos prédios com o número do telefone pessoal e a disponibilidade de ajudar os vizinhos.

Um condomínio na Praia do Canto, em Vitória, fez mais. Dispensou os empregados da limpeza e portaria para que eles ficassem em casa na maior parte da semana e, assim contribuir com a menor circulação e pessoas. Agora, os vizinhos se revezam na limpeza dos corredores, portas e maçanetas, escadas e elevadores. E mais: cada um leva o lixo diretamente até o coletor externo, sem usar os recipientes de cada andar. As correspondências também estão sendo recolhidas da caixa comum e redistribuídas aos vizinhos em revezamento.
“Desde que assumi como síndico, tentei fazer ações para aproximar os moradores. Isso já vinha funcionando, mas sem dúvida, a situação de pandemia aproximou ainda mais pessoas. E essa experiência mudou nossa percepção sobre o que somos capazes de fazer pelo nosso bem comum, pela nossa segurança e nosso bem-estar”, afirma Juan Carlos da Conceição Mourente.
Já no Condomínio Viña del Mar, em Jardim Camburi, também na Capital, por meio do grupo de mensagens instantâneas moradores se propuseram a fazer compras para os idosos. “Os mais jovens quando vão às ruas se oferecem para ajudar, perguntam se alguém está precisando de alguma coisa em casa”, exemplifica Osni Pires Vieira, o síndico.
Outra atitude solidária é ajudar na desinfecção dos corrimões das escadarias dos blocos. “A gente não está conseguindo álcool em gel para esterilizar os corrimões das escadarias. Tem moradores se oferecendo para fazer o serviço com material próprio em seu bloco”, relata.
Máscaras para doação
A jornalista Gabriela Zorzal empenhou um de seus hobbies em favor do combate ao vírus. Ela descobriu o gosto pela costura há cinco anos e, em vez de usar o tempo de isolamento para produzir peças para o guarda-roupa dela, está costurando máscaras para amigos que cuidam de pais idosos ou pessoas com maior vulnerabilidade. Ela começou a produção depois de passar um “aperto” junto com a mãe para encontrar máscaras no mercado para uma familiar idosa.

“Procuramos em toda parte e não tinha. Então, peguei material que tinha em casa e comecei a fazer. Hoje já fiz 50 e devo ainda fazer mais 30. Eu monto kits com uma média de oito a 10 peças e entrego em saquinho higienizado. Aliás, tudo é higienizado, desde o tecido até a mesa onde costuro. Fazer as máscaras está me ajudando a organizar minha rotina e me sentir produtiva para a sociedade”, explicou a Gabi.
Médico ajuda funcionária
“Eu estava no supermercado e ouvi que uma funcionária do local falava ao telefone sobre o desespero que estava passando por causa dos medicamentos de uso contínuo que a mãe toma. Percebi que era o caso de uma paciente com uma série de doenças crônicas. Então, pedi desculpa por ter escutado a conversa e me ofereci para trocar as receitas. Eu disse: ‘sou médico e posso buscar o bloco de receituário no carro’. Como ela poderia imaginar, no meio da correria do trabalho, que o problema da mãe estaria resolvido? Vi o brilho nos olhos dela”.
Este foi o depoimento do médico cardiologista Tulio Bonesi. Por causa do isolamento social a clínica onde atende está fechada, mas nem por isso deixou de colocar em prática o seu ofício. “A medicina faz muito mais sentido quando a gente coloca em prática a nossa humanidade. É confortante saber que também estou contribuindo neste momento difícil. E melhor ainda é não esperar nada em troca. Ser solidário faz bem ao coração”, enfatiza.
Bonesi também disponibilizou seu conhecimento aos vizinhos. “Assim que começou o isolamento, sabendo que não tinha outros médicos no condomínio, voluntariei-me a fazer antendimentos domiciliares gratuitos para que os moradores não tenham que sair de casa para consultas ou obtenção das receitas de uso contínuo. As clínicas estão fechadas e a indicação é de ir aos hospitais e unidades de pronto-socorro se somente em casos de emergência”, explica.
Doação de palavras e sorrisos
Estresse e pressão psicológica estão entre os problemas causados pela pandemia do novo coronavírus na população, conforme relata a Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas a solidariedade tem ajudado a superar isso. Nas redes sociais tem surgido grupos e serviços de apoio como o “A chave da questão”, uma página na internet com diversos psicólogos conectados que oferecem ajuda para pessoas com sintomas de angústia a lidarem com as dificuldades.

Psicólogos se voluntariam a atender pessoas que não estão sabendo lidar com o isolamento por causa da Covid-19 e estão ficando ansiosas, depressivas, agressivas, compulsivas ou com medo.
A doação do tempo para mudar a autoestima de pessoas com saúde mental fragilizada é tão importante quanto se disponibilizar a comprar remédios. É o que pensa a neuropsicóloga Clarissa Valadares, especialista em saúde psicológica de idosos.
Ela alerta que neste momento os familiares e vizinhos precisam redobrar a atenção quanto aos sinais de alerta das doenças mentais. “Cerca de 15% dos idosos moram sozinhos. Em geral eles praticam atividades, frequentam grupos e o isolamento pode ser um gatilho para a depressão, que é bem frequente no processo de envelhecimento”, explica.
Clarissa diz que os familiares devem ficar atentos, mesmo que por meios eletrônicos, a mudanças no tom de voz, choro, medos excessivos, falas depressivas com sentimento de invalidez ou morte, dentre outros. “Minha sugestão é usar a criatividade para alegrar os idosos, fazendo lives, reuniões coletivas comunitárias, ligações coletivas”, orienta.
Clarissa indica um serviço de chamadas telefônicas desenvolvido aqui no Espírito Santo e indicado pelo Conselho Regional de Geriatria. É o SOS – Apoio Emocional”, que atende pelo número (27) 99858-8280. Com Ales.