As históricas e perenes desigualdades do Brasil, principalmente as desigualdades racial e de renda, travam o desenvolvimento econômico e social do país e impedem a melhora do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nacional. Foi o que mostrou uma audiência pública promovida pela Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR) na terça-feira (21).
A desigualdade racial foi um dos pontos debatidos pelos especialistas convidados. O professor Michael Túlio Ramos, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), afirmou que o racismo continua atingindo toda a vida de pessoas negras, desde sua condição financeira ao nascer, o ambiente escolar, oportunidades no mercado de trabalho e as conexões sociais, por exemplo.
Coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, o professor afirmou que a persistência das altas desigualdades sociais impacta negativamente no IDH. Ele disse que os avanços do país na diminuição da disparidade racial na educação, na saúde ou no emprego e renda são lentos há décadas.
De acordo com Ramos, a população negra tem renda pelo menos 15% menor que a população branca desde a década de 1980, o que mostra uma estagnação na diferença salarial.
— O que isso significa? Significa que se passaram basicamente 40 anos, e a gente não teve melhora nenhuma; significa também que a gente tem um país que teve redemocratização, teve governos da esquerda, teve governos da direita e, mesmo assim, o gap racial no mercado de trabalho entre brancos e negros está constante.
Essa lacuna racial, acrescenta Ramos, é reflexo da falha dos governos em criar e manter políticas públicas para equalizar o mercado de trabalho, o que impacta diretamente no resultado do IDH. Ele disse que, entre 2012 e 2021, a desigualdade salarial racial permaneceu praticamente a mesma.
— A gente, como país, não tem muito o que comemorar no que diz respeito à desigualdade racial. Na hora em que a gente olha o mercado de trabalho, não houve avanços substantivos. Na hora em que olha a educação, o único ganho substantivo que a gente teve foram os anos de escolaridade da população negra, que estão convergindo para os anos de escolaridade da população branca também. Mas, na hora em que a gente olha a qualidade da educação, o nível de aprendizagem, por exemplo, os negros estão ficando para trás, e muito para trás.
Oportunidades desiguais
Ramos também afirmou que o local e a situação social na hora do nascimento podem determinar as oportunidades de vida e a renda média de negros e brancos, saindo a maioria dos negros em desvantagem já no começo, com patrimônio geracional mais baixo. Os mais ricos, brancos em sua maioria, acabam absorvendo a maior parte do crescimento econômico do Brasil e seus benefícios.
— Mesmo se a gente acabar com os mecanismos discriminatórios, ainda existe uma parte da desigualdade que vai continuar se refletindo ao longo do tempo, que é a nossa desigualdade ter gerado uma profunda segregação social, que está correlacionada com a racial também. E essa segregação afeta as escolhas, gerando escolhas muito desiguais, e essas escolhas desiguais retroalimentam a desigualdade ao longo do tempo.
O professor do Insper registrou ainda que o Brasil também tem desigualdades sociais e raciais no sistema político, com preponderância de homens brancos de alta renda nos postos de poder.
— Ampliar a representatividade no sistema político também afeta a agenda. Mulheres, negros, indivíduos de origens desfavorecidas podem ter agendas muito diferentes, e isso vai impactar a política pública. (…) Para desestruturar todo esse mecanismo discriminatório e de desigualdade que perpetua na sociedade brasileira, a gente tem que pensar em ampliar a representatividade em todas as esferas da sociedade.
Investimento social
A coordenadora-geral de Estudos Econômicos e Tributários da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Camila Ferraz Peixoto, mostrou dados e resultados de ações do governo federal que têm o objetivo de promover o crescimento econômico, por meio do aumento da renda das famílias, principalmente aquelas de maior vulnerabilidade social, além de reduzir as desigualdades de renda, regional e racial. Ela disse que o Brasil cresceu 2,9% em 2023, conseguiu controlar e diminuir a inflação, começou diminuir os juros da economia e retirou 20 milhões de brasileiros do Mapa da Fome.
— Esse processo desinflacionário é ainda mais acentuado na população de mais baixa renda. (…) Houve uma redução da taxa de desemprego, houve aumento da renda e houve a redução da desigualdade. Houve não só aumento da renda do trabalho, mas também da renda de benefícios sociais. (…) Esses resultados positivos já observados na economia vão ter reflexos positivos no IDH divulgado dos próximos anos. Então, provavelmente, o Brasil vai poder voltar a subir de novo e recuperar essas posições.
A coordenadora afirmou que o atual governo federal retomou e destinou mais recursos para os programas Mais Médicos e Farmácia Popular, ampliou o Bolsa Família e ressuscitou a política de valorização do salário mínimo nacional, o que aumenta também os benefícios previdenciários e de assistência social. Citou, ainda, como iniciativas do país para a diminuição das desigualdades o novo arcabouço fiscal, o programa Desenrola (de renegociação de dívidas), a reforma tributária, o programa Acredita (de microcrédito), a correção da tabela do Imposto de Renda e o programa Pé-de-meia (para alunos do ensino médio), entre outros.
— A gente teve, sim, uma ligeira melhora no IDH deste ano, mas, no ranking internacional, o Brasil perdeu participação. (…) O Brasil é um país extremamente desigual, a gente tem que enfrentar essa questão. Em 2023 a gente iniciou um novo ciclo de política pública com essa preocupação de incluir o pobre no Orçamento: tornar o Orçamento menos desigual e menos capturado pelas classes mais dominantes.
Saúde pública
O coordenador-geral de Disseminação e Integração de Dados e Informações do Ministério da Saúde, Tiago Bahia Fontana, disse que as ações da pasta contribuem para a melhoria das condições de vida, principalmente por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) gratuito. A partir de 2023, exemplificou, o Ministério da Saúde reforçou o Programa Nacional de Imunizações, o que vem aumentando a cobertura vacinal, e criou o Departamento de Monitoramento, Avaliação e Disseminação de Informações Estratégicas em Saúde, que ajuda no planejamento vacinal. Também fortaleceu o Programa de Saúde da Família e a atenção primária.
— Para a gente fazer o cálculo do IDH, uma das coisas mais importantes é a expectativa de vida ao nascer, e, durante os mais de 30 anos do Programa Nacional de Imunizações, o que a gente viu foi que a implementação do programa, de alguma maneira, impactou para fazer com que a mortalidade infantil fosse combatida. (…) Uma das coisas mais importantes é a gente agir oportunamente, tendo um calendário seguro, fazendo com que as unidades de saúde acompanhem as crianças que nascem no território.
Também em 2023 foi criada a Secretaria de Informação e Saúde Digital, para ajudar o Ministério da Saúde na adaptação digital do setor, com melhorias no aplicativo Meu SUS Digital, por exemplo, citou o coordenador.
— O nosso esforço do momento é fazer com que as políticas tenham coerência entre si, para fazer com que as camadas mais vulneráveis da população sejam protegidas e que a gente possa ver o resultado disso nos índices que mostram a qualidade de vida e saúde da população. (…) No Brasil a gente tem poucas pessoas com muita qualidade de vida e muitas pessoas precisando de melhorias na qualidade de vida, e a gente sabe muito bem que as políticas sociais colaboram para equilibrar isso. E a gente tem que pensar que peso vai dar para as políticas sociais para reverter essa condição.
89º no IDH
A audiência pública da CDR foi requerida e comandada pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) com o objetivo de debater a relação entre o desempenho econômico do país e o IDH.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) avalia o bem-estar de uma população, ao comparar indicadores como renda e riqueza, alfabetização, educação, saúde, expectativa de vida e natalidade. Ele varia de 0 a 1 e é divulgado pela ONU. Quanto mais perto de 1, melhor o índice. Na última avaliação, divulgada em março, o Brasil pontuou 0,760. Isso colocou o país na posição 89 entre 193 países, atrás da Argentina, do Chile e do Uruguai, disse Zequinha.
O senador acrescentou que, entre os países da América Latina e do Caribe, o Brasil fica na 17ª posição, atrás de países como México, Equador, Cuba e Peru. Primeiro no ranking latino, o Chile está no 44º lugar no ranking global; a Argentina, no 48º; e o Uruguai, no 52°. Zequinha observou que crescimento econômico não necessariamente melhora o IDH, pois o índice envolve variáveis na educação, na saúde e na renda de cada país.
— O indicador educação refere-se à quantidade média de anos de estudo de uma população. Na variável saúde, avalia-se basicamente a taxa de expectativa de vida dos cidadãos de cada país participante, desses 193 países. No quesito renda, mede-se o valor médio do rendimento dos cidadãos com base no PIB. (…) Estou melhorando o meu PIB? Eu também preciso melhorar o meu IDH, porque senão eu estou desconectado da realidade e a minha população está passando por dificuldades.
O senador lembra que alguns países mais pobres que o Brasil, como Equador, Peru e República Dominicana, apresentaram resultados melhores no IDH. Na visão de Zequinha, os últimos resultados do IDH têm demonstrado a pouca evolução do Brasil em relação ao resto do mundo nos últimos cinco anos.
O presidente da CDR é o senador Marcelo Castro (MDB-PI).
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